quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

resolução.


três anos atrás, eles foram a uma feira e ele travou ao avistar uma garota que não o quis. alguém em quem investira, comprara presente, mandara mensagens desejando um bom fim de ano, planejara viagem. desviou para uma outra sala da feira e disfarçou perante ela. sorriu. olhou os quadros. segurou seu medo, sua angústia e dor ao dar de cara com alguém que o rejeitou. ela ficou mau. que efeito essa garota ainda tinha sobre ele? para que tanto?

três anos depois, segundo sua descrição, o sexo para ele é algo que se aproxima ao esporte. ele nada na segunda, corre na terça, faz musculação na quarta, anda de bicicleta na quinta e transa na sexta. é algo físico. com as outras. com ela, não. mas com as outras o sexo é apenas uma maneira diferente de conseguir um pouco de endorfina. risos.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

meu.estado.de.sítio.


ele morava num vilarejo ao noroeste da síria e era feliz e achava que estava tudo bem, mas um dia um ataque de gás o atingiu. ele era muito forte. sobreviveu e foi expulso do vilarejo. ouviu as histórias de que o exército do seu próprio governo havia envenenado o vilarejo. fugiu e correu para as montanhas. havia indícios de que seria possível ficar e ele se escondeu. parecia que o exército abriria diálogo. negou-se partir. pareciam recuar e ele quis esperar. mas meses depois, os bombardeios voltaram. dessa vez, perdeu uma perna e teve queimaduras de terceiro grau em todo o dorso, do lado esquerdo. mas o exército o levou para o hospital improvisado. cuidou dele. disse que na verdade, esse tempo todo, quem esteve atacando o vilarejo não eram os soldados do governo. era a milícia do califado. porque o exército ainda se preocupava com os cidadãos, cuidava deles. isso era culpa dos terroristas. você é um terrorista. o exército fez que fez e o convenceu de que ele podia confiar novamente no exército de seu país. mas agora ele não era mais tão forte. era deficiente. requeria cuidados específicos e frequentes. o governo disse que ia cuidar de tudo, mas logo sua atenção se voltou a exércitos paramilitares e revolucionários. o pedaço de perna estava gangrenando. o governo disse que teria que se encontrar com o líder da milícia uma última vez. tinha que pegar de volta uma AK-47 que havia emprestado. ele disse para o governo deixar pra lá, mas eles disseram que uma AK-47 é muito cara pra se deixar pra lá. seria só um café rápido, combinado via rede social. e, ao contrário do que o governo prometeu, logo mais outras bombas vieram e ele, agora, perdeu o braço direito. mas o governo disse que iria arcar com a prótese. ele estava arrasado, mas ainda achava que o governo podia cuidar dele. um dia, porém, flagrou o governo visitando páginas-mapas de outros exércitos regionais. o governo não iria cansar de guerrear. foi denunciado por traição ao regime e não teve opção. cruzou a fronteira da turquia e foi ficar um tempo na europa. ouviu que eles o aceitariam. atravessando uma tempestade de areia no caminho, ficou cego. chegou ao continente velho, beirando a humanidade zero. sentiu saudade de casa. muita. tinha as memórias mais lindas dali. daquela terra. daquela casa. do calor e do aconchego. antes de tudo. do gás, da bomba, das promessas, da guerra. recebeu a carta de um amigo dizendo que agora tudo ia ficar bem no vilarejo porque finalmente a região conseguiu "estabilidade". ah, que tentação. tudo aquilo de volta. rever tudo. viver de novo. mesmo sem perna, sem dorso, sem visão. ele poderia voltar, mas como cidadão comum, não. ele não iria ter mais sua cidadania. se quisesse voltar, teria que aceitar a clandestinidade. o que sentia por sua terra era tão bonito, intenso e verdadeiro, que resolveu dar mais uma chance e voltar. e supôs que ser clandestino era possível. mas enquanto o governo lhe dava suporte e programas sociais, nas reuniões diplomáticas não o convidava e nem se quer falava dele. ele não era mais um cidadão de sua terra. ser clandestino era ser atendido quando fosse possível. quando fosse conveniente. ele aparecia no palácio e não era recebido. nos dias de comemoração, não podia desfilar. o pedido de desculpa era sempre sigiloso. nada público. nada aberto. suas reivindicações não lhe eram creditadas. e ele, assim, foi enlouquecendo. pesadelos diários de bombas caindo-lhe na cabeça. sem saber a origem ou o trajeto. um dia, saiu andando à esmo. foi preso. e solto. considerado indigente. apanhou. passou fome, frio, medo. até que uma combi na onu o encontrou desacordado no deserto e o levou à grécia, num acampamento. 

foi você quem exilou o meu amor. anistiou-o brevemente para logo em seguida o relegar à clandestinidade. 

meu amor, hoje, não é nada mais que um refugiado sem pernas e braços. sem enxergar, uma memória doente do que já foi. um velho teimoso que recebe seus cartões postais de paisagens que não estão mais lá. você me convida a passear e as mostra, orgulhoso, mas simplesmente não as vejo. não tenho onde ir. você tirou a minha casa. sou uma clandestina emocional na minha própria terra.

eu posso partir, um dia. mas, meus ossos, os deixo à vista. pendurados no hall do palácio por um cordão corroído pela sua estreitura. todo cidadão que adentrar o teu paço vai esbarrar a testa no meu esterno. e você, autoridade, nunca terá a força para remover meus espólios. será o teu legado. desesperadamente, até o fim dos teus dias e tuas longas noites.


domingo, 20 de dezembro de 2015


o domingo cheio de trovoadas. elas eram fortes. deixaram o dia todo numa luz acinzentada. e me equilibraram razoavelmente. a cidade silenciosa, alguns pássaros reclamando. o som de um freio ao longe. a sirene emulando um desespero. o meu. mas os trovões e a água conversam comigo e me acalmam. dizendo que ele está trabalhando em algum lugar e que, ao olhar pela janela, verá um dia melancólico. um dia cinza e úmido, como o meu amar agora. um dia quando fazer piadas não significa nada. quando o depoimento de uma vítima sobre como adorava rir antes de morrer não vale absolutamente nada. sua insistência em ser feliz sob quaisquer circunstâncias me enoja. sua total incapacidade de co-sentir me atinge constantemente com indignação, abismo e perplexidade. e minha asfixia me aterroriza. um domingo em que você esteja livre e eu não saiba seu paradeiro. e eu me importe tanto. um domingo que me digere lentamente num ácido sem nome. seu nome.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015


As relações minguam não porque paramos de amar, mas porque deixamos de imaginar.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

esfregar-me.em.você.em.praça.pública.é.feio.você.disse.e.eu.digo.idiota.


ela escreveu dizendo como devia ser. ele lhe escreveu um email chamando-a para conhecer seus livros. ele escreve. ela pega o ônibus e cruza a cidade. ela chega em seu quarto e a estante está coberta de livros. mas um, está apartado. é aquele livro que ele escolheu. ela se aproxima e examina o livro sobre a mesa. há um marcador: página x, parágrafo y. ela começa a ler em voz alta. num volume médio, numa velocidade adequada. é quase uma oração. enquanto ela lê, ele se aproxima por detrás dela e cheira sua nuca. seu cabelo. mas não a toca. ela continua a ler o livro, tentando manter a respiração no mesmo ritmo. ela sabe que ele está atrás, próximo, mas não pode aferir exatamente onde. a leitura segue. e ele pede para ela abaixar a calça e diz seu nome. sem parar de ler o livro, ela obedece. ela confunde algumas sílabas do autor, mas continua. ela sabe o que vai acontecer, mas não sabe quando. não sabe. é angustiante, mas também é... e então, ele está dentro dela. ela, ofegante, vira a página e continua lendo. ele, também. a frequencia da voz e do corpo é constante. um ritual. mas em pouco tempo, desincronizam. ela está se apoiando à mesa e ao livro. a voz não acompanha mais os corpos. eles transmutam. estão presos e deformados. ela rasga a página do livro. movimentos mais bruscos. gritos. silêncio. espasmos.

que livro você vai escolher?

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

mas.você.não.sabe.


eu atendo o celular rindo e desejando que você melhore do resfriado, mas por dentro odeio tudo. mas você não sabe. odeio esse quadrinho erótico que você está lendo. odeio a ilustradora. esqueço qualquer sororidade. mas você não sabe. odeio ela com força. porque ela captura seu olhar. e você tem um livro de 150 paginas pela frente e me manda  as imagens dos quadrinhos de falta, de saudade, de sexo, de sofrimento. mas você não sabe. eu constrinjo o cenho porque a lágrima corre e isso repuxa minha pele áspera e a rasga, para que a pele nova que ainda não é capaz; é ingênua, nobre, bela (diferente da cratera da lua) surja sem querer surgir. mas você não sabe. que eu fiz isso na tentativa de recuperar minha auto estima. o absurdo. eu me queimei. queimadura literal. não sei ser vaidosa. mas eu me queimei. odeio você por me fazer ser assim. você me diz que volta sexta e que sábado trabalha e que domingo precisa fazer x e que segunda quer me ver. e quer almoçar. e quer ver um filme. eu sorrio e digo que adoraria. mas eu odeio tudo. você me faz mal. mas você não sabe. 

mas mas-você-não-sabe não é sobre você não saber de todas essas coisas. mas-você-não-sabe é sobre você não saber se gosta de mim ainda. se me quer. se quer saber porque eu sei aquele samba de cor. mas eu não sou brasileira o suficiente pra você.

mas, moço: minha pele nova tá nascendo. se prepara.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

silêncio.




words can rely nice
they can cut you open