ele pedia todas as vezes para ela dormir lá. ela nunca aceitava. no dia que aceitou, ele riu e a chamou para jogar video game. depois de ganhar três vezes dela, ele desligou tudo e abriu uma pasta. disse que quando sua irmã estava no exterior, ele lhe mandava uma foto de infância por dia. então, ele mostra as fotos. uma atrás da outra. muitas. descreve rapidamente cada uma delas. ele sempre pequeno. em diversos lugares, em diversas posições, muitas com o pai e a mãe, a maioria com a irmã.
e é assim. de súbito, ela se pergunta porque está ali. por uns segundos, ela olha aquelas fotos e quer se comover (como acontecera uma outra vez, quando se apaixonou e a pessoa queria lhe mostrar seu mundo). mas não consegue. sente um misto de inveja, monotonia e medo. aquela infância feliz, junto das pessoas que ele ama. infância intocada.
ela tem vontade de chorar porque é claro que não teve uma infância assim e ali, ocupa o lugar comum de odiar em variados níveis a todos que a tiveram. a ele, também. quer incinerar todas aquelas lembranças e se transformar em único objeto de amor dele. da cronologia toda. doentemente feliz. ele ama quem não o conhece. sua irmã o telefona todas as vezes que fica sabendo de um curso novo sobre um diretor de cinema x; pensando ser esse seu diretor favorito. ele não gosta desse diretor. confessa-me isso. eles estão tendo o melhor sexo de suas vidas há aproximadamente um mês e ele lhe diz que verdadeiramente detesta aquele diretor. mas sua irmã está certa de que é seu predileto.
a infância é uma mentirinha contada por um trovador imaginário. e ainda que nos formemos a partir dela, quase que exclusivamente; isso só corrobora a tese de que carne, osso e sangue são um prurido de inverdades.
minto, sim!
escrever é caluniar. omito. nossos corpos são base para ficção.
escrever é caluniar. omito. nossos corpos são base para ficção.
a memória, só mais uma narrativa de má qualidade.
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